domingo, 6 de outubro de 2013

Entrevista com a produtora Sandra Alves para o Café com Siéllysson



Entrevista - 24



Ela criou em sua casa um espaço para reunir artistas santarritenses chamou de “Espaço Múltiplo”. Seu nome foi cogitado para o Prêmio Dom Oscar Romero de Direitos Humanos em 2010 por seu compromisso na valorização da cidade de Santa Rita, na contribuição para organização de mulheres, entre outras funções na valorização da dignidade humana. Ela estimula vários movimentos inovadores, participou da formação do Conselho de Cultura do município, é dona de uma simplicidade ímpar; deixou a psicologia pela assessoria, como ela mesma disse: "pra que resolver um problema de um quando o problema é social? Dediquei-me ao coletivo". O nome da heroína é? Sandra Alves.


Não entendia o porquê que ela não aceitava a entrevista comigo, dizia que era um grande grupo o Espaço Múltiplo, espaço este que foi criado pela mesma, mas que ela nunca disse isso pra mim. Percebi na entrevista o quanto ela é humilde e se ver de forma coletiva, como eu nunca vi antes em ninguém. Depois de muita insistência ela aceitou dar a entrevista. Marco às 9 da manhã de um sábado no Espaço que ela transformou num templo da Cultura; chego atrasado, ela me convida para um café, penso que em não incomodá-la sem saber que havia preparado um verdadeiro banquete para mim, só dei conta disso próximo a minha saída, fico maravilhado com a delicadeza dela. Sentamos e mais outro longo papo que vocês não terão acesso. (risos) Mas a entrevista cheia de emoção sim, com essa monja da cultura vocês vão conferir agora.

SIÉLLYSSON - Há quanto tempo você é envolvida com as artes?

SANDRA ALVES - Desde os primeiros anos de vida mesmo, pois eu nasci ao lado de um clube, então isso já me proporcionou convivências, sempre escutar músicas, ver realizações de festas, aí fui me alimentando ao longo do tempo. Isso para mim é uma festa natural, está discutindo, convivendo, participando do está assistindo arte, traduzido em cultura, para mim é muito natural. Não é uma coisa que tenha como demarcar início, ano, tempo. Pra mim é uma coisa bem natural, no sentido de está sempre convivendo com isso...

SIÉLLYSSON - É como religião?

SANDRA ALVES - Não. Eu acho que religião nela teve um início, [Ela fala para si mesma] até você se perceber dentro de um processo religioso, dentro de uma comunidade religiosa e você desenvolve essas práticas religiosas... diferente um pouquinho das artes, a religião tem um marco. Eu consigo demarcar quanto passei a entrar nesse processo religioso, em ano e tempo. Mas, essa questão de arte não. Acho que arte a gente já faz desde pequenino, desde criança.

SIÉLLYSSON - Há quanto tempo existe Espaço Múltiplo? E de quem foi a ideia original?

SANDRA ALVES - O Espaço Múltiplo completou agora em 14 de novembro de 2012 dez anos. Na verdade, ele surgiu de uma necessidade minha de está em Tibiri [bairro], de está em Santa Rita e ter um local onde eu conseguisse conversar sobre arte, perceber a arte, agregar esses artistas, porque eu estava vindo de João Pessoa e lá eu tinha essa convivência, essa proximidade de ter grupo, de conversar e de construir algumas coisas. Aí quando vim morar em Tibiri I,I em 2000, vi que não tinha esses grupos. Até tinha, mas que eles não estavam próximos. Então, quando sai do trabalho pensei em construir um lugar onde eu pudesse trabalhar e também ter essa convivência, foi aí que construiu Espaço Múltiplo. A gente tinha e ainda tem a proposta de trabalhar Educação, Cultura e Meio Ambiente, aos poucos as coisas foram se agregando, se construindo. Hoje, a gente não tem mais o Espaço Múltiplo que a gente teve no começo porque no início era uma opção de trabalho, hoje não é mais uma opção de trabalho, é... (risos entre lágrimas) hoje já nem sei mais o que é o Espaço Múltiplo não sei se é um movimento, uma ação onde a gente constrói, conversa, realiza até um dia em que ela se transformou em ONG documentada para a gente ter acesso garantido ao Conselho de Cultura, a ter acesso a outros espaços que nos fazem essas exigências. Na verdade, o Espaço Múltiplo não perdeu a essência que é voltar-se para Educação, Cultura e Meio Ambiente. Mas ele se transformou noutra coisa. E hoje o Espaço Múltiplo não é mais meu, eu sou uma parte desse processo, mas não o vejo mais como meu, como foi no início. Foi investimento pessoal, era uma opção de trabalho mas hoje já não é mais, hoje é bem diferente.

SIÉLLYSSON - - Quais foram os trabalhos mais significativos desenvolvidos pelo “Espaço múltiplo”?

SANDRA ALVES - A primeira ação de meio ambiente foi à arborização da Praça Centenária em 04 de abril de 2013, foi uma proposta nossa que conseguia agregar a comunidade e fazer a arborização, já que a praça só tinha uma mangueira. Pensamos: “Vamos fazer de forma diferente e de espaço de vivência para a comunidade”. Tudo foi construído na base da conversa, do diálogo dentro do Espaço múltiplo. Dentro dessa questão de meio Ambiente ainda tem a Caravana Ecológica, a gente foi com um grupo para Cruz do Espírito Santo, para conhecer o meio ambiente, fizemos caminhada na Mata do Xexém, visita ao à Jardim Botânico, para a gente trabalhar a questão da Educação se perceber como agente ambiental; visita ao “Barriga Cheia” aqui em santa Rita, a Mata do Heitel e a caverna. Tivemos também a participação na Conferência Municipal Congresso de Meio Ambiente que foi uma aprendizagem muito rica. Temos um diálogo com a Associação Cooperativa dos Catadores de Marcos Moura que é o COOREMM, onde a gente faz a coleta de material e repassa para eles. Produção de sabão a partir da reutilização de óleos, então, tudo isso são práticas que pra a gente são pontuais e são construtivas. Na parte educativa, ela se dá nessa conversa entre meio-ambiente e cultura. Na questão cultural, a gente tem feito ações, como: A Noite Augustiana (Poesia); conversa com o movimento de Rock onde a gente fez parceria durante três anos com o Território Alternativo juntamente com o grupo MCA - Movimento de Cultura Alternativa, com objetivo de agregar artistas no momento em que eles vão precisando. Eu diria que o Espaço Múltiplo não um órgão executor, mas um espaço que agrega e constrói.
A gente teve participação no FESTATY-Festival de Teatro Amador de Tibiri, agora a gente tem uma “conversa” com o Território Resistente que é uma continuidade de um segmento de rock.
A outra coisa também efetiva é a participação no Conselho de Cultura onde a gente tem participação, lutando por políticas que precisam ser validadas, para que a cultura tenha seu espaço garantindo, que a gente não tenha que recorrer a terceiros.
A gente tem também um diálogo muito bom com o Memorial Augusto dos Anjos, A Casa de Cultura Lauro Pires Xavier, em João Pessoa. Tentamos dialogar com outros espaços, para que o Espaço múltiplo não seja só uma gotinha, mas que ela vá tomando um corpo maior.São tantas coisas que a gente vai construindo... Fizemos conferências, saraus. Acho que ação cultural se dá até mesmo por meio de uma conversa.
Na parte audiovisual, fizemos um apoio a Glaúcio Souza no desejo de Construir Tibiri – Caderno II, onde fala sobre esse movimento cultural de Tibiri e em prol desse movimento. Construímos com Glaúcio o documentário “Essas Senhoras” e em seguida tivemos “Vasto Mundo” onde esse projeto nasceu aqui dentro do grupo. A gente tem caminhado com dificuldade, mas caminhamos!




Sandra Alves com membros e parceiros do Rock em Tibiri II, Acervo do Espaço Múltiplo disponível na internet/2013

SIÉLLYSSON - - Como você analisa a conjuntura cultural da cidade de Santa Rita?

SANDRA ALVES - A conjuntura atual é resultado de uma ausência de cultura, de políticas públicas no município. A gente percebe que ao longo do tempo a cultura ficou esquecida, ficou no recanto. Aí, Santa Rita por necessita dessa vivência cultural ela começou a se alimentar de sobras ou migalhas que foram oferecidos em outros espaços, tipo: João Pessoa. A gente ainda não tem isso formado e construído. Então, essa conjuntura é o que ficou de vários anos, de 14 ou 8 anos, mas é o que resistiu, fez-se cultura como resistência. Acredito que essa conjuntura ainda vai ter forma diferenciada onde a gente tem agentes culturais de muitos valores, de muita consciência do que precisa-se fazer. Hoje o município tem um Secretário de Cultura [Valdir Lima] que sabe do compromisso que ele tem e a esperança que essa conjuntura mude que o Sistema Municipal de Cultura realmente aconteça, que a Secretaria com o Plano Municipal de Cultural que foi construído se exerça, que o Fundo Municipal de Incentivo a Cultura que recebe o nome de Heliton Santana seja efetivado para que se garanta a existência da cultura em Santa Rita.

SIÉLLYSSON- Você trabalhou em outras cidades, está presente nos festivais de Artes de João Pessoa. Sabemos que as manifestações culturais aqui em Santa Rita foram definhando durante esses últimos oito anos do governo do prefeito Marcos Odilon. Mesmo assim, vocês do “Espaço múltiplo” continuam com suas atividades voltadas para a cultura bairrista. Qual a importância da cidade de Santa Rita para você? Você não acha que poderia contribuir muito mais em cidades que focalizam e vivem as artes?

SANDRA ALVES - Bem, na questão de trabalhar em outras cidades eu já trabalhei em algumas. Minha experiência profissional começou em Cruz do Espírito Santo que é minha cidade natal, depois estive um bom tempo em João Pessoa, logo após fiz um trabalho autônomo em Santa Rita que foi o que me deu maior capacidade e a proximidade com todos os movimentos. Depois eu voltei pra Cruz do Espírito Santo; então eu vou construindo aonde eu chego, sinto a necessidade de fazer parte do lugar onde estou, pois mesmo não sendo natural de Santa Rita, mas tenho que fazer onde estou. Hoje estou em Santa Rita, mais precisamente em Tibiri II.
Você me diz movimento bairrista, mas é que Tibiri [um dos maiores bairros de Santa Rita]contempla muita coisa; vejo aqui vários movimentos e a gente dialoga com todos eles, com a música, literatura, teatro, dança. A gente tem há 3 anos aqui um o Festival de Dança Ballare, o Espaço Múltiplo faz esse apoio, tem outros festivais como de teatro. Então, tudo isso vai chamando a atenção da gente, vai nos comprometendo nessa necessidade.Eu não sei se poderia fazer mais estando em outro lugar, pois Tibiri me dar essa possibilidade de ter todos esses segmentos onde a gente pode juntar, dialogar e construir juntos. Há anos fizemos o Festival “Acorde Cultural”, onde a gente teve vários ritmos juntos, contamos com a participação de Adeildo Vieira. Então, eu acho que a coisa certa é fazer. As coisas estão aguardando para que seja feita as junções. E quando falo das junções é também nas parcerias das esferas de poder público e sociedade civil também; tudo é uma cooperação das artes e isso se dá de forma muito natural tem sido assim com a gente. E isso não é muito difícil não, viu?! É preciso só dedicação.


Sandra Alves no encontro literário com o historiador Siéllysson para falar sobre a História local, Acervo do autor/2013

SIÉLLYSSON - Você foi convidada para ser assessora do Secretário de Cultura, Valdir Lima, nessa gestão atual. Como você recebeu esse convite? Tinha ideia de que aconteceria essa parceria?

SANDRA ALVES - Esse convite se deu como resultado de uma conivência, de uma construção, de parcerias, de cumplicidade. Essa cumplicidade foi se dando de forma natural durante esses 8 anos, a gente foi partilhando muitas coisas. Não é uma coisa formal, é algo que se deu de forma muito espontânea. Ele sabia de que forma eu poderia colaborar, até onde eu poderia colaborar, então a gente está juntos na construção daquilo que a gente reconhece como necessidade do município, então para mim é bacana poder contribuir. Não sei como a gente vai realmente conseguir [risos leves] mas a intenção é que se faça o melhor.

SIÉLLYSSON- Por que você resistiu tanto a dar essa entrevista? Você resistiu dizendo que o “Espaço Múltiplo” não era só você, que eram muitos e até me propôs uma entrevista coletiva. (risos)

SANDRA ALVES - [Ela rir timidamente] Mas a verdade é essa, o Espaço Múltiplo são também outras pessoas. Quando eu vejo o Espaço Múltiplo não vejo Sandra Alves [Ela fala dela na terceira pessoa] tanto é que eu sugeri juntar em grupo e fazer essa entrevista [ela cita vários nomes de artistas locais], um momento coletivo, mas você fez questão de tirar um pouco mais de mim. (risos) Não foi uma questão de resistências. Têm finais de semanas que a gente tem mais compromissos, eu tenho uma assistência a Cruz do Espírito Santo que eu continuo fazendo, às vezes tudo isso sacrifica um pouquinho. Mas, houve sim um pouquinho de resistência. (risos) Eu me perguntava: “Mas o que eu vou falar?” “O que eu posso falar de importante que possa ser registrado?” [Percebo sua humildade em vários momentos, mas nesse instante fico impressionado, pois todo o trabalho dela em prol da cultura e ela ainda se pergunta o que teria de importante para uma entrevista. Não aguento e lha faço uma pergunta fora do roteiro:]

SIÉLLYSSON - Mas você reconhece que você é uma heroína da cultura resistente?

SANDRA ALVES - Não. (risos entre lágrimas) Não consigo fazer esse reconhecimento. Acho que sou uma colaboradora. Eu consumo cultura. Não acho que se trata de heroína [penso que ela não conseguirá responder, sua emoção vai falhando a voz e as lágrimas descem sequencialmente como em novelas, mas ela resiste mesmo assim e continua, penso em parar, mas sei que muita coisa pode se perder ao cortar a emoção dela] a gente tem vários exemplos de heroísmo que posso citar, como: Ivonaldo Rodrigues, [ator e dono de um teatro em Tibiri II] o pessoal do Território Resiste o que é uma cultura difícil de ser executada; os escritores do município que para escrever e publicar é muito complicado, os músicos que não tem espaço de apresentação, mas produzem seu material. É uma juventude que taí querendo fazer cultura de forma diferenciada, mais atualizada. E assim, se fosse tratar de heróis, a gente tem uma liga.

SIÉLLYSSON - Que conselho você deixa para quem deseja fazer um trabalho com cultura como o seu.

SANDRA ALVES - Faça com satisfação, com prazer. É difícil, mas é possível. Acho que artista algum terá um depoimento pra dizer “Ah, foi tudo muito fácil, eu consegui porque todas as portas se abriram e todos receberam ‘numa boa’ o que eu produzi, não recebi críticas.” Isso não vai acontecer, isso vai fazer parte do processo cultural, até porque a gente tem uma diversidade de entendimentos, de formações. Hoje a globalização oferece muito mais do que a gente pode consumir. As várias influências que a gente recebe termina a gente consumindo o que vem de fora e esquecendo o que a gente tem de bom aqui. A minha mensagem é FAZER e não parem.

Entrevista publicada em 18 março 2013 às 15:28


(Hoje Sandra Alves voltou a assessoria na cidade de Cruz do Espírito Santo, afastou-se da Prefeitura de Santa Rita, mas continua com seu trabalho na ONG Espaço Múltiplo em Tibiri II, mantém-se ativista por políticas públicas nos municípios de Cruz e Santa Rita.)


3 comentários:

Sandra disse...

Obrigada pelo registro.

Unknown disse...

Eu que agradeço pela disponibilidade do seu tempo para esta entrevista,que é mais um dos tantos registros sobre você. Meu eterno agradecimento.

Sandra disse...

Quanto carinho! Se conseguir ser a metade do que creditas em mim, já sei realizada. Bjs

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